domingo, 4 de julho de 2010

Transgressorinha de estimação

       Ser diferente é ser caótico. Foi isso que entendi até aqui. Não que eu me sinta um caos pela minha diferença (que, aliás, é tão igual à diferença de tantos e tantas), mas sinto que desorganizo a paz dos outros (dos “meus” outros pelo menos), afundo os planos que fizeram para mim, sobre mim e sem mim. Desde cedo fiz outras opções. Não por ser contra o mundo alheio, mas por ser a favor do meu. Por querer o que eu queria e assumir os riscos de muitas más escolhas. Tentaram me mudar. Conseguiram, mas não o tanto que queriam. Não desistiram. Mudaram de tática. Tornaram-me um idolozinho doméstico: a revoltadinha da titia; a chatinha com personalidade forte (forte, eu?), a menina que preferia os livros aos meninos (eufemismo para não dizer que eu não preferia os meninos). Quase uma deficiente de quem não se podia falar mal. Comentar de minhas opções inefáveis, era como falar sobre a perna do aleijado. Sempre alguém ralhava com o falador, com o que dava com a língua nos dentes. Os almoços da minha família eram assim: eu me tornava uma celebridade pelo meu “defeito”, defeito que ninguém podia se referir na minha frente.
          Há alguns meses, arrumei um namorado. Fui tratada como uma deficiente mental que conseguiu fazer o primeiro desenho de casinha. Virei um mimo. Ele também passou a ser tratado como alguém especial. Meu salvador, parece. Mas ele não ficou muito tempo. Esses salvadores nunca ficam muito tempo mesmo... Foi embora sem nem avisar. Ninguém falou nada. Todos sabiam o motivo do “fracasso” do relacionamento da enviesada criatura, embora nada tivesse a ver com o que todos pensavam. Relacionamentos não dão certo por muitos motivos, mas o meu só podia desmoronar por “aquele” motivo.
         Botar o pé além da linha do normal alheio resulta nisso: você é sempre facilmente explicada, sem nunca ser compreendida.
          Mas não estou militando pela causa (eu não milito por coisa alguma, me agüento apenas), nem mesmo reclamando (de uma barriga que só não está mais cheia devido às constantes dietas), só estou narrando que ser diferente é tornar-se um caos a sua volta. Ninguém transgride a si mesmo, transgride-se nos outros. Ao quebrar uma norma trinca-se o universo a sua volta. A normalidade mais firme não passa de um fino cristal: grite e ela estoura. Restam apenas cacos: você e todos os demais.

2 comentários:

  1. haha..esse texto é teu, guria?! Li no cultura há algum tempo, achei ele muito "auto biográfico", mas não liguei a autora a ti..Perfeito, querida!

    beijo!!

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  2. Pois é era eu. Tenho esse vício de me expor por escrito, acho que pra compensar minha discrição no ao vivo.
    Bjs

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